Estou vivendo a vida
Sem pai, sem mãe, sem irmão
Sem ter no bolso um tostão
Pra comprar minha comida
Uma casa por guarida
Eu também não estou tendo
O que eu vivo comendo
Nem cachorro quer comer
Ninguém merece viver
A vida que estou vivendo
Eu estou passando agora
Por um grande desespero
Sem emprego e sem dinheiro
E bolsos virados pra fora
Todo dia e toda hora
Mais dívidas estão chegando
E o dinheiro faltando
Para as dívidas pagar
Ninguém merece passar
Pelo que estou passando
Sinto uma dor muito forte
Me deixando abatido
Perdi o meu pai querido
E sete irmãos na morte
Estou andando sem norte
Aqui Acolá caindo
Deste sofrimento infindo
Não consigo mais sair
Ninguém merece sentir
A dor que estou sentindo
A fome que passo é tanta
Que chega meu couro é grosso
Quando consigo um almoço
A noite não tenho a janta
Eu só bebo uma fanta
Quando de um mendigo eu tomo
Nunca comprei sabão Omo
Para roupa limpa ter
Ninguém merece comer
O bocado que eu como
Minha rua é um deserto
Cheia de lama e espinho
Ela fica bem pertinho
Dum esgoto a céu aberto
E, além disso, tem perto
Tanta droga que eu choro
Pra sair de lá imploro
Ao meu Deus sem parar
Ninguém merece morar
No lugar onde eu moro
A cama que eu durmo nela
É feita só de pau torto
Eu me sinto quase morto
Depois que levanto dela
Sinto dores na costela
No quadril e no meu peito
Meu colchão também é feito
De arame e pode furar
Ninguém merece deitar
Na cama que eu me deito
O meu quarto de dormida
É um cubículo daquele
Que ninguém quer dormir nele
Nem uma noite na vida
Uma parede caída
E o teto quase caindo
Eu de lá estou saindo
Por que ele vai cair
Ninguém merece dormir
No quarto que tô dormindo
Eu bebo água dum poço
De dez metros de fundura
A água é bem impura
E parece um caldo grosso
Quando a bebo, seu moço
Fico com a boca fedendo
E para o povo dizendo
Com essa água vou morrer
Ninguém merece beber
A água que estou bebendo
Minha mulher na cachaça
É viciada demais
E quando ela bebe faz
Em casa a maior desgraça
Deita no banco da praça
Com o corpo todo pelado
Me deixando envergonhado
E muito triste a chorar
Ninguém merece casar
Com a mulher que sou casado
Eu levo no espinhaço
Uma carga muito larga
Pra me livrar dessa carga
Não sei mais o que eu faço
Me sinto só o bagaço
Cada dia mais cansando
E eu já estou notando
Que não vou mais aguentar
Ninguém merece levar
A carga que estou levando